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Medicações e Dieta Cetogênica para transtornos mentais: cuidados específicos

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O interesse pela Dieta Cetogênica para a saúde mental segue crescendo. Enquanto a Dieta é bem conhecida pela neurologia, a psiquiatria e a psicologia entraram no campo de ação. Isso se dá tanto pela popularização da Cetogênica, quanto pelos estudos sobre o chamado estado de cetose, uma mudança metabólica que ocorre tipicamente quando a pessoa ingere menos de 50g ou 40g de carboidratos totais ao dia e eleva seu consumo de gorduras.

Os estudos têm apontado relação entre resistência insulínica e desordens mentais, compreendendo o porquê de comorbidades psiquiátricas em condições como diabetes e obesidade. Ainda, transtornos como esquizofrenia, bipolaridade, depressão passaram a andar ao lado de doenças como autismo, Parkinson, Alzheimer e Epilepsia, o berço da Dieta Cetogênica: todas se tornam desordens neuroprogressivas nas mais recentes pesquisas.

Contudo, cada transtorno tem sua especificidade e há duas recomendações que você vê constantemente na internet, mas que assumem uma seriedade imensa quando falamos de cetose.

1 – Trabalhe sempre com um especialista na sua condição. A Cetogênica para performance é totalmente diferente da Cetogênica para enxaqueca, que é totalmente diferente da Cetogênica na menopausa. A chance de você encontrar um profissional que trabalhe com Cetogênica em todas as áreas é a mesma de você encontrar um médico especializado em todas as áreas.

2 – Quando falamos sobre interações medicamentosas, a típica frase “converse com seu médico” se torna uma lei na Dieta. Se você toma alguma medicação, seu médico precisará trabalhar em conjunto com o profissional que aplica a Dieta. As doses poderão sim mudar. Elas seguirão mudando conforme as fases de adaptação, manutenção, possíveis saídas da dieta, o que for.

Este alerta fundamental serve para remédios de pressão, diuréticos, doses de insulina, claro. Mas, é preciso atenção especial aos psicofármacos, tema do conteúdo de hoje.

Esta aula sobre a interação da Cetogênica e remédios psiquiátricos vem da união dos ensinamentos do psiquiatra Christopher Palmer e da psiquiatra Georgia Ede, que possui extensos conteúdos com este alerta. Também, é claro, da minha prática com algumas centenas de pessoas, já que saúde mental é minha área de atuação com a cetose.

Disclaimer: este conteúdo é informativo para o público em geral com base em pesquisas científicas e não substitui avaliação com seu profissional de saúde.

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Exames antes de começar a Cetogênica para transtornos mentais

Ao longo do conteúdo, você verá como é fundamental ter um parâmetro de diversos marcadores antes e durante a Dieta Cetogênica. Aqui, coloco os exames que idealmente sugiro aos clientes, com base em novas pesquisas, médicos e Consenso Internacional para a Implementação Clínica da Dieta Cetogênica (Eric Kossoff).

  • Dexa – Avaliação Corporal por DXA (saiba como estão massa magra e óssea antes de começar para avaliar modificações posteriores e evitar perdas prejudiciais)
  • Hormônios femininos: TSH, testosterona livre e total, anti-TPO e tireoglobulina, T4 livre e total, T3 livre e total, DHEA, progesterona, estradiol, cortisol.

  • Função hepática e renal: fígado é a chave na Cetogênica e rins debilitados precisarão de cuidado extremo. Creatinina, ácido úrico, GGT (ou Gama GT) e IGF-1, TGO, TGP. Ultrassonografia renal.

  • Saúde metabólica geral: hemoglobina glicada, insulina, glicose, proteína C reativa.

  • Saúde cardiovascular: colesterol total, LDL, HDL, apolipoproteína A-1 e B, homocisteína, triglicerídeos.

  • Outros (marcadores de saúde mental + deficiências associadas à cetogênica em médio-longo prazo): selênio, ferritina e ferro sérico. Vitamina D, B1, B12, B6, B3, B9 (folato), C, zinco, potássio, magnésio, cálcio.

  • Avalie também pressão arterial, frequência cardíaca, peso e circunferência abdominal.

Caso você sofra de condições médicas severas e/ou utilize medicações contínuas, eleve a frequência das consultas nos meses iniciais da Dieta: veja seu médico e seu profissional de Cetogênica semanal ou mensalmente, presencial ou virtualmente. O processo de adaptação implica mudanças fisiológicas severas, mudanças na concentração sérica de medicações (como ácido valpróico e lítio, por exemplo) e o ajuste de doses possivelmente será necessário nos primeiros meses.

Mantenha em mente: o painel lipídico pode ser significativamente alterado na fase inicial da cetose e/ou enquanto houver emagrecimento. Contudo, fique atento a elevações muito acima dos 30%.

O sugerido é fazer exames antes de entrar na cetogênica e após seis meses. Se prosseguir a cetogênica, recomendo uma ultrassonografia renal a cada seis meses ou um ano, especialmente em terapias cetogênicas mais prolongadas ou médicas.

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Quando parar o uso das medicações?

O primeiro passo é garantir o estado de cetose significativo através de medições via urina ou sangue. Este estado precisa ser mantido por dois meses, de forma constante. Após dois ou três meses de cetose, converse com o psiquiatra sobre redução de doses.

Novamente, a cetose deverá ser mantida durante este processo. Passados mais alguns meses, converse com seu médico sobre o início da retirada de alguns medicamentos. Jamais retire uma medicação sem acompanhamento ou abruptamente.

Se você toma mais de uma medicação, mantenha em mente que cada uma deve ser reduzida ou retirada isoladamente (ou de acordo com seu médico) e que o período mínimo de adaptação de mudança é de, no mínimo, um mês e meio. Não mexa em outras variáveis durante este período: mantenha constantes a dieta, o sono, a rotina, a cetose.

“O quadro pode piorar antes de melhorar”

A frase-chave dos psiquiatras Chris Palmer e Georgia Ede é um alerta válido, mas que não deve gerar pânico. Nem todos passam por isso, especialmente quando a dieta é trabalhada em conjunto com as alterações nos medicamentos.

Mudanças nos números de cetose, exercícios físicos, macro e micronutrientes devem ser ponderados de acordo com cada medicação sendo alterada. Ainda, é possível substituir medicações por suplementações de apoio durante períodos mais críticos, algo a ser visto em conjunto com o psiquiatra.

Contudo, é fato que irritabilidade, queda de energia, insônia e desejos por determinados alimentos podem se intensificar, especialmente se falamos de mulheres e seus ciclos hormonais. Mais ainda, se você está vindo de uma dieta com alta carga de carboidratos, o período de abstinência ao açúcar, diz o psiquiatra Chris Palmer, “pode ser o inferno”.

Por isso, muitos médicos (e eu), sugerirão que a entrada na cetose seja gradativa e dividida em fases mais extensas (de um a três meses cada).

Este método gradativo é chamado “low and slow” e foi criado por uma das maiores nutricionistas cetogênicas do mundo, Jennifer Fabe (Matthews Friends Canadá), justamente para evitar estes problemas. O método gradativo apresenta os mesmos resultados da introdução abrupta na cetose (jejum, remoção de radical de carbs, redução calórica etc). Portanto, leve-o muito a sério. Leia mais sobre este método cetogênico Low and Slow na apresentação da nutricionista, em inglês, neste PDF.

Fases de entrada na Dieta Cetogênica

  1. Corte açúcar, glúten e óleos vegetais
  2. Corte leguminosas e amido em geral
  3. Corte frutas com alto índice glicêmico e adoçantes não cetogênicos (fique com estévia, monk fruit e outros adoçantes mais naturais e, acima de tudo, zero carboidratos)
  4. Corte os poucos alimentos que restam para você entrar em cetose e entre com os suplementos necessários para a fase de adaptação da dieta cetogênica (eletrólitos e multivitamínico)

Este tempo é importante não apenas para reduzir a gravidade da abstinência, mas para garantir que você se habitue a novas receitas, restaurantes, hábitos familiares etc. Cada fase já mostrará benefícios imensos.

Medicações psiquiátricas que podem interferir na cetose

Antipsicóticos e Dieta Cetogênica

Risperidona, Abilify e Seroquel

Risperidona, Abilify e Seroquel podem elevar os níveis de insulina e contribuir para a chamada resistência insulínica, que prejudica a metabolização de gordura e a produção de corpos cetônicos.

Na retirada destes remédios, eu usualmente monitoro sono, glicose e insulina dos clientes com maior frequência e faço alterações específicas na dieta e nos exercícios físicos.

Muitos outros antipsicóticos têm este efeito e são indicados para transtornos como depressão, bipolaridade ou ansiedade. O psiquiatra deve estar ciente da abordagem nutricional Cetogênica e buscar medicações que não influenciem a insulina.

Lítio e Dieta Cetogênica

Durante as primeiras semanas de cetose, a maioria das pessoas perderá muita água através da urina excessiva. A cetose altera a forma com que o corpo processa fluidos e eletrólitos (sais), incluindo lítio, que é um sal.

Os níveis de lítio, portanto, podem ser alterados. Por isso, é importante fazer o exame antes de entrar na dieta e monitorar durante os primeiros meses para possíveis alterações nas doses.

É este o motivo pelo qual a suplementação de eletrólitos, no caso de desordens mentais, é ainda mais importante na Dieta Cetogênica (sódio, potássio e magnésio especialmente).

Estabilizadores de humor e anticonvulsivantes na Dieta Cetogênica

Como o nome aponta, a maior parte dos anticonvulsivantes é criada para controlar crises convulsivas em pessoas que sofrem de epilepsia. Contudo, estes medicamentos também são utilizados off-label para transtornos de humor, insônia e ansiedade. Falamos de Depakote (valproato), Zonisamida e Topamax (topiramato), que são, de fato, os remédios mais indicados aos clientes que chegam até mim – seja com diagnóstico de transtorno bipolar ou epilepsia.

Depakote

O Depakote (ácido valproico) é um ácido graxo (uma gordura, em termos simplistas) que pode ser utilizado como combustível pelas células.

Como o organismo potencializa o metabolismo das gorduras na Cetogênica, as células podem remover o Depakote da corrente sanguínea para utilizá-lo no processo de energia e isso pode reduzir os níveis de ácido valproico disponíveis no sangue.

Se isso ocorrer, se você sentir que a medicação não está funcionando neste período (e que a cetose ainda não teve efeito suficiente para contrabalancear a alteração), será necessário ajustar doses. Por isso, é importante checar níveis de ácido valproico antes de começar a Cetogênica nestes casos: para acompanhar mudanças com maior precisão.

Zonisamida e Topamax (topiramato)

Ambos são anticonvulsivantes bastante similares. Eles mudam a forma com que os rins processam certos eletrólitos e tornam o pH do sangue um pouco mais ácido (acidose metabólica).

É fundamental que o psiquiatra compreenda que a cetose gera o mesmo efeito no corpo e, por isso, nestes casos, o risco de formação de pedras nos rins pode ser aumentado.

A estas pessoas, recomendo o uso concomitante de citrato de potássio, a suplementação que evita pedras nos rins na Cetogênica Clássica para epilepsia. Ainda, o consumo de água será rigidamente elevado e o consumo de sal deverá ser reduzido (com cautela e de forma individual, já que há perda de sódio prevista no processo da cetose e baixo sódio levará a sintomas graves).

Devido à complexidade, o profissional de Cetogênica e o psiquiatra devem trabalhar conjuntamente nos primeiros meses.

Lamotrigina (lamictal)

A lamotrigina é um anticonvulsivante que pertence à classe das feniltriazinas. A medicação, nos explicam os grandes Eric Kossoff, Bergqvist e Zupec-Kania, está associada à redução da eficácia da cetose nos tratamentos para epilepsia. Não apenas a eficácia, mas também redução no número de corpos cetônicos.

Um estudo em animais encontrou que a cetose potencializa a ação da lamotrigina (isso também ocorreu, neste estudo com animais, com as medicações ácido valproico, carbamazepina e fenobarbital). Aqui, seria prudente ficar atento a mudanças como letargia, tontura, ataxia, taquicardia, movimentos involuntários nos olhos ou perda do controle muscular, que estão associados a doses excessivamente elevadas de lamotrigina. 

Remédios para pressão e Dieta Cetogênica

Clonidina, prazosina, propranolol foram criados para tratamento de pressão alta, mas também são utilizados para insônia, ansiedade, pesadelos ou déficit de atenção (TDAH).

Na fase inicial da Cetogênica, a pressão arterial pode cair abruptamente, já que tem alto efeito diurético. Isso é excelente se você sofre de pressão alta. Contudo, se você utiliza estas medicações ou não sofre de pressão alta, a pressão pode cair demais, gerando tonturas, fraqueza, confusão mental e, em casos graves, desmaios.

Outras medicações psiquiátricas têm o mesmo efeito: todos os antipsicóticos (olanzapina, latuda, geodon etc) e antidepressivos (sertralina, escitalopram, fluoxetina etc).

Nestes casos, a pressão arterial deve ser monitorada, bem como os sintomas acima mencionados. Elevação de sódio pode ser necessária, além da redução dos remédios.

Constipação e psicofármacos na Dieta Cetogênica

Algumas pessoas sofrem de constipação na Dieta Cetogênica. Este efeito é comum em muitas medicações psiquiátricas também.

O profissional de Cetogênica deve trabalhar com intenso foco no funcionamento do intestino para evitar acúmulo de toxinas, desregulação hormonal, disbiose e consequente agravamento do quadro mental.

Antidepressivos e dieta cetogênica

Bupropiona

Possivelmente, não há riscos em utilizar bupropiona na cetose. O que deve ser lembrado é que bupropriona não é indicada para pessoas com histórico de transtornos alimentares.

Também, ressalto que bupropiona reduz o chamado limiar convulsivo: em termos leigos, limiar convulsivo é a força do estímulo que uma pessoa é capaz de receber sem que gere uma crise.

Ainda, deve ser ressaltado que ambos, bupropiona e cetose, elevam os níveis de noradrenalina no cérebro. Esta dupla ação pode ser benéfica ou não e isso deve ser discutido com o médico. Caso maléficos, os sintomas podem ir de suor, taquicardia, ansiedade a episódios maníacos. 

Fluoxetina

É bem estabelecido que a Fluoxetina não apenas não eleva glicose, como ajuda a regulá-la, podendo aumentar o risco de hipoglicemia em cetose, ainda mais se houver remédios para controle de diabetes nesta mistura. Monitore sua glicose cotidianamente ou utilize monitores contínuos, como o Freestyle Libre, da Abbott. Contudo, um estudo encontrou que fluoxetina altera sim glicose, especialmente quando o sujeito é exposto ao açúcar. Mais um motivo para você monitorar seu organismo individualmente.

Sertralina

O estudo que encontrou que fluoxetina altera sim glicose argumenta que a sertralina seria o caminho mais indicado para diabéticos, que não teria este efeito sobre o açúcar no sangue. Contudo, outro estudo aponta que sertralina pode não ter impacto na glicose, mas teria sim sobre a insulina e triglicerídeos.

E agora? Agora, me repito: monitore sua glicose e insulina via tabela: se a glicose estiver normal para cetogênica (entre 65 e 90), mas os corpos cetônicos estiverem muito baixos, eu sugeriria exames de insulina mais seguidos, porque a chave pode estar ali.

De toda forma, não vejo problemas em ter corpos cetônicos baixos por causa de medicação. Se a medicação é necessária e interfere em alguns fatores, é preciso encarar estes fatores de frente. Uma dieta limpa e a presença de alguns corpos cetônicos (de 0,3 a 1 mmol/l) já pode ser o suficiente para tirar a nuvem negra de nossas cabeças. Digo isso por experiência própria.

Ansiolíticos e dieta cetogênica

Rivotril

Uma medicação que, pessoalmente, me assusta por seus efeitos colaterais e capacidade de alterar pensamentos e personalidade, além de seu poder viciante – de toda classe de benzodiazepínicos. Não encontrei nada sobre rivotril e cetose, mas encontrei algo relevante sobre um irmão, o clobazam, da mesma classe.

Um estudo encontrou que os níveis de clobazam no sangue foram significativamente reduzidos em cetose e isso é algo a observar de perto. Veja se a ansiedade e a insônia estão se elevando neste período. A cetose pode levar a perda de minerais e mudança de neurotransmissores que seguram a ansiedade, gerando este quadro por si só. E também haverá o fator rivotril, possivelmente sendo reduzido no sangue.

Qual dos dois fatores estaria gerando esta ansiedade? Cetose ou redução de rivotril no sangue? Não saberemos. Portanto, uma entrada bem gradativa na cetose seria muito mais recomendada, com macros mais elevados para não haver tanta perda do remédio.

Ansitec (Buspirona)

Sobre o Ansitec (Buspirona): achei bem interessante que cetose é apontada como um efeito colateral raro de pessoas que tomam buspirona. Ou seja, não me parece interferir no sentido de tirar a pessoa de cetose.

É um medicamento não muito popular, então não encontrei muita coisa relacionando ele à dieta. O que encontrei é que é um medicamento relativamente seguro e tem sido indicado na neurologia, apesar de ter sido pró-convulsivante em animais. A Epilepsy Foundation pede observação ao utilizá-lo, mas os livros estão mostrando que ele é muito superior aos benzodiazepínicos, claro.